
Resumo:
Este artigo propõe uma reflexão psicanalítica sobre a neurose obsessiva em mulheres,
atravessando os sintomas corporais, os mecanismos de defesa e as formas específicas de
subjetivação feminina. Com base em autores como Freud, Lacan e autores contemporâneos, como
Alice Miller, o texto articula a escuta clínica com as teorias sobre repressão, culpa e desejo. É
explorado o paradoxo entre o saber e o controle, a hiper-racionalidade e o apagamento do desejo,
assim como o drama de uma infância marcada por exigências narcísicas e pela negação da
vulnerabilidade.
Introdução:
A neurose obsessiva é, historicamente, mais associada ao masculino. Contudo, no contexto atual,
observa-se um número crescente de mulheres que apresentam sintomas obsessivos,
especialmente ligados ao corpo, à alimentação, à sexualidade e ao desempenho. Esta
apresentação clínica atravessa questões contemporâneas de controle, perfeição e invisibilização do
sofrimento psíquico.
Corpo e Sintoma:
No discurso obsessivo feminino, o corpo surge como um campo de batalhas silenciosas. Dietas
rígidas, autocobrança extrema, rigidez nos gestos e vergonha do desejo são expressões de um
conflito profundo entre ideal e gozo. O sintoma ocupa o lugar do insuportável da angústia e, ao
mesmo tempo, da tentativa de domínio.
Mecanismos Defensivos:
Predominam na neurose obsessiva os mecanismos de isolamento, anulação, formação reativa e
racionalização. No caso das mulheres, esses mecanismos ganham contornos particulares: a
hipervalorização da moral, o excesso de cuidado com os outros, o medo de errar e o controle
emocional como forma de evitar o colapso.
A Função do Saber:
A busca incessante por saber é, muitas vezes, uma defesa contra o vazio e o desejo. Saber demais
é não sentir. Alice Miller, ao falar do drama da criança bem-dotada, mostra como crianças que
aprenderam a perceber o desejo do outro em detrimento do próprio, tornam-se adultas que sabem
o que fazer, mas não sabem o que sentem.
Transferência e Escuta Clínica:
Na clínica, a transferência obsessiva se apresenta como desconfiança, intelectualização e, muitas
vezes, resistência à entrega afetiva. A escuta precisa encontrar, por trás da rigidez, o apelo
silencioso por cuidado. A travessia da neurose obsessiva passa pelo desmonte do saber absoluto e
pela autorização de um não saber.
Conclusão:
A mulher obsessiva sofre por não poder falhar, por desejar sem desejar. Sua neurose se sustenta
em uma lógica de domínio do indizível. O trabalho clínico, ético e implicado, é o de sustentar o
vazio, escutar o desejo e permitir a emergência do sujeito por trás da personagem que tudo sabe.
Por Ellen Andreuccetti